
Washington Novaes*
Afinal, depois de 19 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou um projeto de Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ainda terá de passar pelo Senado. Mas contém princípios interessantes. Como o que recomenda conferir prioridade aos estímulos para as cooperativas de catadores de resíduos - que, segundo as justificativas ao texto, já contam com 800 mil pessoas no País. Também dá preferência a materiais reciclados em compras da administração pública; aprova a chamada logística reversa, em que os responsáveis pelas embalagens devem ser responsabilizados pelo retorno dos resíduos nas áreas dos agrotóxicos, pilhas, baterias, lâmpadas, pneus; define que a responsabilidade pelos resíduos deve ser compartilhada por governos, empresas e sociedade. Tudo para contemplar os objetivos centrais da política, que são a redução dos resíduos, sua reutilização e - caso impossíveis - sua reciclagem. A deposição em aterros deve ser a opção final, pois só recomenda a incineração caso não haja outra possibilidade. E será proibida a catação de lixo em aterros.



E tudo isso é um enorme desperdício, como já se escreveu aqui tantas vezes. O setor deveria, ao contrário, transformar-se em grande gerador de trabalho e renda para setores desfavorecidos. Para isso o melhor caminho é o das cooperativas de catadores. Mas ele precisa avançar, com o poder público financiando a construção e implantação de usinas de reciclagem (a reciclagem em usinas públicas não passa de 1% do total), a compra de equipamentos de coleta. Por aí é possível - como já o demonstrou em outros tempos, quando teve mais apoio, o Núcleo Industrial da Reciclagem, de Goiânia - reduzir em até 80% a deposição de resíduos em aterros. Compostando todo o lixo orgânico para transformá-lo em fertilizantes para jardins, recomposição de encostas, etc.; transformando todo o papel e papelão em telhas revestidas de betume, que substituem com muitas vantagens as de amianto; reciclando todo o PVC e transformando-o em mangueiras pretas ou pellets para empresas que os utilizam como matéria-prima; prensando latas e moendo vidros para recicladoras. E, last but not least, gerando trabalho e renda para pessoas com pouca educação formal. Sem perigo de desperdiçar o investimento, pois a cessão às cooperativas deve ser feita pelo regime de comodato renovável periodicamente.
Por caminhos como esse é possível reduzir fortemente os investimentos multimilionários necessários para novos aterros. E cidades como São Paulo geram mais de 12 mil toneladas diárias de resíduos. Também por aí é possível reduzir muito o desperdício mostrado em estudo da Unesp (Sorocaba) com o lixo de Indaiatuba (125 mil habitantes), onde 91% dos 135 mil quilos de resíduos levados para o aterro a cada dia seriam reutilizáveis ou recicláveis.
Há ainda um ponto do projeto aprovado pela Câmara que precisa ser destacado - pela mesma razão, desperdício: o caminho da incineração só deve ser tomado em último caso. Além de caro, o método tem uma contradição insuperável, já enfrentada por vários países europeus: se o objetivo principal de uma boa política para o lixo deve ser reduzir a produção, como se fará com usinas incineradoras, que exigem, no mínimo, a manutenção da quantidade produzida - principalmente se forem utilizadas para gerar energia? Sem falar nos altos custos, já que a incineração de materiais orgânicos exige altíssimas temperaturas, para evitar a liberação de agentes cancerígenos.
Hoje estamos desperdiçando (estudos do Cempre, IBGE e WWF) mais de metade do vidro, papel e papelão, embalagens de PET e plásticos levados ao lixo, além de mais de 70% das embalagens longa vida. A recente decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de simplificar as regras para licenciamento de aterros que recebam até 20 toneladas diárias pode ajudar também nos municípios com até 30 mil habitantes. Mas não resolve, sozinha. Será preciso apressar a tramitação no Senado do projeto aprovado na Câmara. E criar os instrumentos práticos para concretizar as decisões.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, na seção Espaço Aberto
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