Acabou a Rio+20. Afora as frustrações advindas da falta
de ousadia, esquentar o tema do desenvolvimento sustentável foi o grande mérito
da conferência. Jamais tantas notícias socioambientais se destacaram no mundo.
Por outro lado, a profusão de discursos criou uma espécie de Torre de Babel
ecológica. Todos falam, mas poucos se entendem. Haverá tempo para salvar o
planeta?
Começa pela arrogância humana a série de controvérsias
que permeia o recente debate ambiental. Querer "salvar o planeta" exibe uma
soberba incomparável na história da humanidade. Tal ideia, absurda, radicaliza a
visão antropocêntrica, creditando ao ser humano uma prepotência acima de
qualquer outra atribuída a ele, dono do universo e dos planetas.
Imagine.
Na Idade Média, o Iluminismo deu força à razão. O
intelecto, alimentado pela ciência, livrou o homem do desígnio divino, subjugado
pela natureza bruta. Seu destino começou a ser moldado com ajuda da tecnologia,
representando, ao sair das trevas medievais, passo fundamental da civilização.
Floresceu o humanismo.
Mas a evolução tecnológica combinada com a explosão
populacional gerou, séculos depois, um crescimento econômico agressivo aos
recursos naturais. O homem, que pensava tudo poder, começou a sofrer as
consequências da destruição de seu próprio habitat. A crise ambiental lhe
ofereceu pílulas de humildade que, ingeridas com mínima visão holística, fizeram
bem à humanidade. Surgiu o conceito do desenvolvimento
sustentável.
Na abertura da Conferência da ONU no Rio de Janeiro, o
vídeo Bem-vindo ao Antropoceno retomou, noutro nível, esse debate
filosófico. Vai esquentar a discussão. Quem propõe substituir a atual era
geológica do Holoceno - que vige desde o último período glacial, há 12 mil anos
- pela nova denominação assume que as atividades humanas se sobrepõem às forças
cósmicas. Representa a maior das ousadias da mente humana. E, talvez, o pior dos
equívocos.
Tem sido terrível perceber a queda na compreensão de que
o perigo ecológico ronda a civilização humana, não o planeta Terra. Até então a
dubiedade, elementar, permanecia quase que restrita às salas de aula, afetando
principalmente crianças, estimuladas pelo idealismo dos mestres a defenderem o
meio ambiente. Nestes dias, porém, pulularam campanhas e matérias jornalísticas
dando dicas de como "salvar o planeta". Uma bobagem
inigualável.
Os problemas ecológicos afetam, e comprometem, isso,
sim, o futuro da humanidade. A pressão sobre os recursos naturais, se continuar
aumentando, trará reveses na qualidade da existência humana. Em certas partes do
mundo, populações padecem com a falta de água potável, sofrem com a poluição da
atmosfera, amargam com a desertificação. O planeta nem liga. Basta uma dose de
insignificância humana para perceber a diferença.
Esconde-se, aqui, um lamentável engano. O ambientalismo
começou a tratar o gás carbônico (CO²), conhecido na biologia e na agronomia
como o "gás da vida", como um vilão planetário, responsável pelo efeito estufa
da Terra. Ora, a absorção do CO² através dos estômatos das plantas permite
realizar a fotossíntese, processo vital que transforma energia solar em energia
química, base dos carboidratos e proteínas vegetais. Libera, ademais, oxigênio
no ambiente.
Entrou na moda "neutralizar" as emissões de CO² à busca
de um certificado de boa conduta ambiental. Noutro dia, um ônibus circulava nas
ruas da capital paulista entupindo a atmosfera com fumaça preta, embora
ostentando logo acima do sujo escapamento um lindo dizer: "carbono neutro".
Licença para poluir.
A teoria do aquecimento global anda crescentemente
contestada pelos cientistas "céticos". Veremos qual o fim dessa polêmica. Em
qualquer hipótese, porém, é inaceitável considerar o gás carbônico no capítulo
da poluição. Esse absurdo conceitual embaralha a mente das pessoas e alivia a
barra dos verdadeiros poluidores. Há quem acredite, por exemplo, ser o arroto
bovino mais danoso à atmosfera que o escapamento dos automóveis.
Risível.
O caldo das novas formulações está criando uma charada
indecifrável. Sem entender direito dos assuntos, as pessoas tendem ao repeteco
dos chavões, onde tudo se mistura, se confunde, se banaliza na vontade de,
orgulhosamente, ajudar a "salvar o planeta".
Que ninguém duvide: graves ameaças ecológicas afetam a
civilização humana. O conflito entre a população, que continua crescendo, e os
finitos recursos planetários tende ao colapso. O avanço tecnológico auxilia,
constantemente, na superação dos obstáculos. Mas, como diria o caboclo do
interior, o buraco é mais embaixo. Em algum momento deverá haver radical
modificação no modo de vida.
Por que algumas sociedades tomam decisões desastrosas? A
intrigante pergunta faz Jared Diamond nos capítulos finais de Colapso,
seu famoso livro. Na resposta, obviamente, se encontram variadas razões. Nem
sempre foram capazes de diagnosticar corretamente seus problemas. Muitas vezes
seus líderes foram imediatistas, não estadistas, que olham
longe.
Jamais, porém, aconteceu de as sociedades pregressas
apostarem no atraso para vencer seus desafios. O dilema civilizatório atual
somente se resolverá na base do conhecimento aliado ao convencimento, uma
mistura de liderança visionária com educação ambiental. A solução passa longe do
vandalismo demonstrado pelo MST ao destruir, no último dia da Rio+20, o stand da
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Atitude
fascista.
Pior. Espanta perceber a atração de certo ambientalismo
- aquele messiânico - por esse viés autoritário. Urge distância desses (falsos)
profetas do apocalipse.
* AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E
SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL:
XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR
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